domingo, novembro 19, 2006

A questão do retorno de Nino Vieira à cadeira do poder continua assunto de conversa entre os guineenses



1. A questão do retorno de Nino Vieira à cadeira do poder continua assunto de conversa entre os guineenses. E já não se fala às escondidas como antigamente. As pessoas já não têm medo de exporem os seus pensamentos publicamente. Para muitas, não passa de um velho gagá implorando um lugar na história. Outras tantas não se importam que esteja ou não no poder, porque para elas quem detém na verdade as rédeas do poder são os militares, na pessoa do Chefe do Estado-maior Geral das Forças Armadas, general Baptista Tagme Na Waie. Mas, acontece que a moeda tem outra face. E no lado contrário, o povo é que virou monstro para Nino Vieira. Não se mistura com povo. Pois, “quem não deve não teme”! Desde que se assentou no poder (em Outubro de 2005) nunca tentou espairecer-se um pouco para lá do Poilão de Brá. Das pouquíssimas vezes que se deslocou para o interior do país sempre se fez acompanhar de forte aparato militar e da polícia. Como aprecia muito as bisbilhotices palacianas, continua a escutar os cochichos de Baciro Dabó (ex-Secretário de Estado da Administração Interna). É dos chefes de Estados africanos que nunca permanece no seu próprio país por mais de quinze dias. 2. Haverá algum caso idêntico a este em África? É de frisar que o regresso de Nino Vieira está atravessado na garganta de todos nós. Algumas pessoas, para afrouxar o desalento, argumentam que ele (o Nino) é mais perigoso se continuasse fora do país. Mas, a realidade dos factos parecem apontar para direcção contrária. Pergunto: numa circunstância como esta o que era suposto acontecer? O mais lógico seria, sem pestanejar, o povo sair ao terreiro e vomitar toda a sua ira contra toda a maquinação que está por detrás do seu regresso. Infelizmente estamos na Guiné-Bissau. Dando uma olhada no cadastro político guineense, não é provável que se vislumbre registos de protestos em massa ou tumultos. O único que teve lugar em 3 de Agosto de 1959 foi duramente reprimido pelo Estado colonial. Vamos pôr a afoiteza que se diz ser típico dos guineenses, e reconhecer que somos um povo de costume brando, mas violento em resposta às ofensas acumuladas. E por que é que somos assim? Alguns entendidos nestes assuntos associam o fenómeno aos regimes políticos que temos vindo a suportar, a começar pelo colonialismo português passando pelo despotismo dos governos pós-coloniais. É de reconhecer, por outro lado, que em África pós-colonial, à partida, o vínculo formal entre a pessoa (humana) e o Estado nunca teve grande significado. Até porque trata-se de um processo chegar-se a Estado. A tendência é das pessoas se identificarem mais com as suas pertenças étnicas (nações) do que propriamente com as leis do Estado nacional, que por sinal acabara por ser assumido por indivíduos preparados pelo Estado cessante (colonial). O Estado (herdeiro), em vez de albergar as nações como realidades nacionais, fez o contrário, agrediu e perseguiu-as. Tudo isso acontecia aos olhos do povo. E não poderia ter ganho outra leitura que não fosse a de um Estado dominador e estranho a realidade africana e inclusive as leis que este engendra. Por isso, o guineense, sendo, contudo, nacional do Estado (cidadão) – por motivos que já referimos – tende a alhear-se aos pressupostos que lhe determina o gozo de determinados direitos e deveres perante o Estado de que é nacional. A situação é muito mais dramática ao constatarmos que até os partidos políticos, com ascensão dos políticos profissionais, em vez de adoptarem uma postura mais interveniente, conscientes e intelectuais, tendem a reduzirem-se a meros empregados dos chamados grandes. Não é por acaso que se nota, inclusive, a falta de sentido crítico dos intelectuais e falta de cultura dos responsáveis do poder, num tempo em que os dados científicos abundam.3. Toda esta conversa vem a propósito da ideia de que podíamos ter sido poupados toda esta “travessia do deserto”, se tivesse havido oposição digna e responsável ao actual governo. Ou seja, hoje teria sido dispensáveis os clamores de Kumba Yala, que parece ter ressuscitado depois de largos meses de exilo voluntário em Marrocos. As declarações que proferiu contra o governo não transporta nenhuma novidade a mais das que o PAIGC de Carlos Gomes Júnior tinha, reiteradas vezes, dito publicamente sobre a legitimidade deste executivo ninista. Não importa aqui comparar o peso dos dois líderes no mercado político guineense. Só sei que é possível constatar que o governo não ignorou as palavras proferidas pelo homem do barrete vermelho e a comunidade internacional escutou-as muito bem. E em política não existem milagres! A capacidade, até aqui demonstrada, por Kumba Yala, está directamente relacionada com o facto de ter conseguido dar “pirueta” associando-se, antes da largada, ao grande Satã, arrastá-lo a sua alfombra, para depois arrumá-lo. Resta depois saber se será capaz de pôr na prática aquilo que poderão ser os seus intentos, tendo em linha de conta o cisma de “inocente” de Vieira, que a todo custo tenta fazer passar, como também a arrogância ingénua e fuga ao diálogo do actual primeiro-ministro.4. Em relação ao desempenho do executivo de Aristides Gomes, remetemos ao leitor o artigo de opinião publicado no portal “noticiaslusófonas” pelo nosso conhecido jornalista Óscar Barbosa (Cancan), intitulado “O FMI e a verdade na Guiné-Bissau”. Afinal o cognome deste governo “j’ai dèjá vu” é de “nô uni pa nô mama tako”. A sociedade “Guiné-Bissau: Marketing e Gestão S.A.” com a participação do Primeiro-Ministro, e os Ministérios da Economia, Finanças, Turismo e Ordenamento do Território e do Comércio, etc.. espelha a azáfama para o enriquecimento próprio. Isto, sem vasculhar as negociatas já existentes em volta da “ideia do petróleo”. O perfil do Governo afunda-se mais ainda com as notícias que correm nas ruelas de Bissau sobre as quezilas das “concubinas” Vieira, obcecadas pelo controlo do comércio da castanha de caju. Os atritos das duas damas terá afectado as relações entre o Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças. De outra maneira, o governo não tem mostrado capaz de garantir a segurança às populações. O país transformou-se em santuário de tráfico de drogas, armas e de emigração clandestina para Europa. Os argumentos do governo não passam de meros subterfúgios sem sentido. A tudo isso junta-se a fome generalizada, os salários em atraso da função pública. E sobre a célebre perseguição ao Salifo Sadio do MFDC? Uma vergonha temperada com brutalidade, que custou, mais uma vez, suor, sangue e lágrimas ao nosso povo. Há uma questão que o editorialista do jornal “Gazeta de Notícias” coloca e que é bom reter: “Como é que quem não contraiu compromissos com o povo, pode ter a preocupação de alcançar metas ou cumprir o que quer que seja num determinado horizonte temporal?” 5. O “grito”, portanto, de Kumba Yala, significa, ao meu ver, o apertar do cerco à classe dirigente. Já começou a dar os seus frutos. Mas, há, no entanto, quem veja nestas declarações um grave problema para o país, que a comunidade internacional “está cansada” dos sucessivos problemas guineenses, e que o país corre um sério risco de ficar entregue a sí próprio, se por qualquer motivo ocorrerem novas derrapagens. É caso para dizer que não existe forma mais desaforado de chantagem política que já vi. Não passam, no fundo, daquelas abordagens que procuram promover em África democracia sem lume idêntica a dos regimes de partido único. Voltando atrás, e a propósito do grito do homem do barrete vermelho, a expectativa do governo terá ficado aquém do montante calculado, em mais de 400 milhões de dólares. E estamos ainda na alvorada de agitação política. É provável que venha a correr muita água debaixo da ponte. Teremos no futuro breve o congresso do PAIGC. Entretanto, já começaram a aparecer sinais que apontam para o entendimento dos dois grandes partidos: o PAIGC e o PRS. Portanto, parece que se prevê por ai uma vaga de ciclone político que poderá de certa forma agitar a vida política nacional. Por isso, o governo e a Presidência da República tem dois caminhos a escolher: ou começam desde já a fazer as malas ou negociar o silêncio de Kumba Yala, que a seguir pelos discursos não está pelos ajustes.

Fonte: ABMP

Sem comentários: