domingo, maio 13, 2007

Ascencao e queda de um Estado Petrolifero



Agora que o Governo da Guiné-Bissau admitiu haver boas perspectivas de existência de petróleo com valor comercial no offshore do país, e considerando toda a expectativa e interesse que este assunto vem criando a nivel nacional e internacional, decidi publicar um trabalho de reflexao do Centro de Estudos Africanos da Universidade de California, a proposito da experiencia Nigeriana em materia de gestao dos recursos petroliferos.


Nigéria é a jóia da coroa africana do petróleo. Ninguém duvida da importância estratégica da Nigéria contemporânea. Um em cada cinco africanos é nigeriano – a população do país é actualmente estimada em 137 milhões – e é o sétimo maior exportador de petróleo que fornece o mercado dos Estados Unidos com aproximadamente 8% das suas importações. Membro da OPEP há muito tempo, a Nigéria é o protótipo da "nação petrolífera". Com reservas estimadas em quase 40 mil milhões de barris, o petróleo em 2004 representava 80% das receitas do governo, 90% dos rendimentos do comércio exterior, 96% de receitas de exportação e, de acordo com o FMI, quase a metade do PIB. A produção de bruto é actualmente de mais de 2,1 milhões de barris por dia avaliados em mais de US$ 20 mil milhões, aos preços de 2004. Assente sobretudo em terra firme, em 250 campos espalhados ao longo do delta do Níger, o sector do petróleo da Nigéria representa agora uma vasta infra-estrutura industrial interna: mais de três centenas de campos de petróleo, 5 284 poços, 7 000 quilómetros de oleodutos, dez terminais de exportação, 275 estações de bombagem, dez instalações de gás, quatro refinarias e um projecto maciço de gás natural liquefeito (GNL) (in Bonny e Brass).
A ascensão da Nigéria enquanto actor estratégico no mundo da geopolítica do petróleo tem sido dramática e ocorreu largamente no seguimento da guerra civil que acabou em 1970. Em finais da década de 50, os produtos petrolíferos eram insignificantes, representando menos 2% do total das exportações. Entre 1960 e 1973, a produção de petróleo explodiu de apenas 5 milhões para 600 milhões de barris. As receitas petrolíferas do governo, por sua vez, passaram de 66 milhões de nairas em 1970, para 10 mil milhões em 1980. Uma indústria multibilionária de petróleo provou, contudo, ser um pouco mais do que um pesadelo ( Nigéria: Want in the Midst of Plenty, Africa Report 113, Internacional Crisis Group, 2006). Inventariar os "feitos" do desenvolvimento petrolífero nigeriano é um exercício salutar: 85% das receitas do petróleo concentram-se em 1% da população; dos US$ 400 mil milhões de receitas, talvez US$100 mil milhões tenham simplesmente "desaparecido" desde 1970. O responsável contra a corrupção, Nuhu Ribadu, afirmou que em 2003 setenta por cento da riqueza petrolífera do país foi roubada ou desperdiçada; em 2005 foram "apenas" 40%. Ao longo do período 1965-2004, o rendimento per capita caiu de US$ 250 para US$ 212; a desigualdade na distribuição do rendimento aumentou marcadamente ao longo do mesmo período. Entre 1970 e 2000 o número de pessoas que viviam na Nigéria com menos de um dólar por dia cresceu de 36% para mais de 70%, de 19 milhões para uns incríveis 90 milhões. De acordo com o FMI, o petróleo "não pareceu acrescentar nada ao nível de vida" e "pode ter contribuído para um declínio no nível de vida" (Martin & Subramanian, Adressing the Resource Curse [FMI, 2003], 4). Na última década, o PIB per capita e a esperança de vida caíram, de acordo com as estimativas do Banco Mundial.
Aquilo que se oferece em nome do petro-desenvolvimento é terrífico e um fracasso catastrófico do desenvolvimento nacionalista. Por vezes é difícil compreender todas as consequências e profundidade desta afirmação. Do ponto de vista do Delta do Níger – mas não menos nos vastos mundos de bairros de lata de Kano ou de Lagos – o desenvolvimento e a riqueza petrolífera são uma anedota cruel. Estes paradoxos e contradições em nenhum lugar são maiores do que nos campos petrolíferos do Delta do Níger. Nos ricos estados petrolíferos de Bayelsa e Delta há um médico para cada 150 mil habitantes. O petróleo apenas trouxe pobreza, violência de estado e um ecossistema moribundo. Não é grande surpresa que meio século de negligência à sombra do ouro negro tenha criado uma política inflamável. Entretanto, o projecto democrático iniciado em 1999 aparece cada vez mais esvaziado.
A origem da herança de pesadelo da política do petróleo deve ser procurada nos dias do boom precipitado na década de 70. O boom detonou um enorme influxo de petrodólares e lançou um programa ambicioso (e amplamente autocrático) de modernização levada a cabo pelo estado. Central para as operações da nova economia do petróleo era a emergência de um "complexo petrolífero" que se sobrepunha, mas não era idêntico, ao "petro-estado". Este último é composto de vários elementos institucionais chave: (1) um monopólio estatutário sobre a exploração mineral, (2) uma companhia petrolífera nacionalizada (estado) que opera através de joint ventures com as grandes companhias a quem são garantidas concessões (blocos) territoriais, (3) os aparelhos de segurança do estado (que trabalham muitas vezes de maneira complementar com as forças de segurança privadas das companhias) para assegurar que os grandes investimentos fiquem protegidos, (4) as próprias comunidades produtoras de petróleo, sob cuja jurisdição estão localizados os poços, e (5) um mecanismo político através do qual as receitas do petróleo são distribuídas.
A questão da distribuição das receitas do petróleo – quer seja num sistema federal como na Nigéria ou numa monarquia autocrática como na Arábia Saudita – é uma componente indispensável do entendimento da política inflamável de petróleo imperial. Na Nigéria, há quatro mecanismos chave de distribuição: a conta federal (rendas apropriadas directamente pelo governo federal); um princípio derivado do estado (o direito de cada estado a receber uma parte dos impostos que os seus habitantes supostamente contribuíram para o erário federal); a conta da federação (ou conta conjunta dos estados) que distribui receita pelos estados com base na necessidade, população e outros critérios; uma conta de concessão especial (que inclui verbas destinadas directamente ao Delta do Níger, por exemplo através da notoriamente corrupta Comissão para o Desenvolvimento do Delta do Níger). Ao longo do tempo, as receitas derivada caíram (e por isso as receitas directamente controladas pelos estados ricos em petróleo do Delta do Níger encolheram) e a conta conjunta dos estados cresceu imenso. Em suma, tem havido um processo de centralismo fiscal radical, no qual os estados produtores de petróleo (compostos de minorias étnicas) perderam e as maiorias étnicas não-produtoras de petróleo ganharam – por meios honrados ou asquerosos.
Por cima do petro-estado nigeriano está, por sua vez, uma mistura volátil de forças que dão forma ao complexo petrolífero. Primeiro, o interesse geo-estratégico no petróleo significa que as forças militares e outras constituem parte do complexo petrolífero local. Segundo, a sociedade civil local e global participa no complexo petrolífero quer através de grupos de advocacia transnacional preocupados com os direitos humanos e a transparência do todo o sector do petróleo, quer através de movimentos sociais locais e ONGs que lutam contra as consequências da indústria petrolífera e a responsabilidade do petro-estado. Terceiro, o negócio transnacional petrolífero – as grandes companhias, os independentes e a vasta indústria dos serviços – está activamente envolvido no processo de desenvolvimento social através do desenvolvimento comunitário, responsabilidade social das empresas e a inclusão dos envolvidos. Quarta, a luta inevitável pela riqueza do petróleo – quem a controla e detém, quem tem direitos sobre ela, e como essa riqueza será distribuída e usada – insere uma panóplia de forças políticas locais (milícias étnicas, paramilitares, movimentos separatistas e outros) nas operações do complexo de petrolífero (as condições na Colômbia são um caso exemplar). Em certas circunstâncias, as operações petrolíferas são objecto de guerras civis. Quinto, as agências de desenvolvimento multilateral (o FMI e o IBRD) e as companhias financeiras, como as agências de crédito para exportação, aparecem como os "corretores" chave na construção e expansão dos sectores energéticos nos estados produtores de petróleo (e ultimamente as multilaterais são pressionadas para imporem a transparência entre os governos e companhias petrolíferas). E, não menos importante, há uma relação entre o petróleo e o mundo suspeito das drogas, riqueza ilícita (roubo de petróleo, por exemplo), mercenários e economia negra.
O complexo petrolífero é uma espécie de enclave corporativo, mas também um centro de cálculo político e económico que só pode ser entendido através das operações de um conjunto de forças locais, nacionais e transnacionais que podem ser apelidadas como "o império do petróleo". A luta pelo controlo dos recursos, que se tornou central durante última década na Nigéria à medida que o Delta do Níger se tornou mais ingovernável (porque a luta assumiu um molde mais militante), cresce precisamente a partir desta composição de forças que constituem o complexo petrolífero.

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